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Machismo é doença sexualmente transmissível

Disposta a abrir a cabeça das mulheres, a socióloga e sexóloga Maria Helena Matarazzo participou do 1° Encontro Goiano “Mulheres e Negócios”, em abril de 1997.

Nesta entrevista ela fala sobre o que estava mudando no comportamento feminino, que lentamente se transformava. Aos poucos, diz, vamos deixando o “marianismo” (marianismo?) de lado. E os homens vão abandonando o machismo.

O processo complexo determina não só as relações pessoais, alerta. O preconceito atinge em cheio a mulher enquanto ser produtivo, com direito à felicidade de respeitar seus limites, sem culpas. Machismoé bem conhecido, mas e esse tal “marianismo”? O que é isso? Descubra abaixo e nunca mais se sinta inferior.



NT – Qual o papel da mulher na sociedade. O modelo da tal Amélia,
a que seria mulher de verdade, ainda corresponde à realidade?

MH – Graças a Deus as coisas estão melhorando para as mulheres. Es-
tão mudando, mas ainda falta bastante. É a tal luta pela igualdade que a
gente vem travando desde os anos 70, mas no Brasil, em determinadas
regiões, ainda predomina o machismo. À moda antiga.

NT – E qual é a definição de machão?
MHM – Machão é o homem que só faz aquilo que ele quer, quando ele
quer, como ele quer e se ele quer. E a mulher do machão? É aquela que
faz aquilo que ele deixa.
Então, ele fala assim: eu deixo a minha mulher trabalhar. Não porque
isto é bom pra ela, vai fazer ela feliz, ou se realizar. Não.
Uma vez, eu estava em Salvador e nós estávamos falando sobre esta
questão e você acredita que um homem na platéia disse: “Eu deixo mi-


nha mulher rir”. Quer dizer, ele a controlava de tal maneira, que contro-
lava os sentimentos dela também. Agora, graças a Deus, isso tudo está
mudando. Porque o oposto do machismo é o “marianismo”. É justamen-
te esta a condição da mulher.

NT – E o que é marianismo?
MHM – O machismo é o homem se sentir superior, pelo simples fato de
ter nascido homem e o marianismo é o fato de a mulher se sentir infe-
rior, se sentir diminuída.

NT – Hoje, mulher sustentar homem é comum.A Amélia moderna
é independente financeiramente, mas ainda com emocional depen-
dente?

MHM - A interdependência em si mesma não é ruim. Ninguém é uma
ilha. Ninguém pode preencher todas as suas necessidades sozinho neste
mundo. É difícil. Já que a gente tem que crescer na vida é melhor cres-
cermos juntos.
O ideal é quando um ajuda o outro a crescer. É ser o melhor de si mes-
mo. É diferente de uma relação de dominação e submissão. Mesmo com
esta coisa irônica de que a mulher agora muitas vezes tem mais dinheiro,
e ainda fica por baixo. Mas eu acho que a gente vê mudanças. O machis-
mo está mais soft, mais suave.

NT – O antropólogo Darcy Ribeiro dizia que a mulher brasileira, na
prática, é a cabeça do casal, quem assume as responsabilidades. O
que leva a mulher a ter esse tipo de comportamento e, mesmo recla-
mando, insistir em carregar o peso do mundo?

MHM – É verdade. A gente costuma dizer que a mulher vive mais do
que o homem porque ela cuida da vida. Amar é cuidar. E cuidar é amar.
A mulher cuida da casa, das crianças, do cachorro, dos idosos. Ela vai
pela vida fazendo isto. Este é um papel feminino muito importante na
sociedade. Senão, desmorona tudo.
Com os movimentos de libertação das mulheres lutaram pela igualda-
de, elas tentaram dividir isto, para que os homens também ajudassem a
cuidar. Mas mesmo nos países do primeiro mundo, não houve muitos
avanços. A mudança vai chegando devagar.
Os jovens têm um casamento mais democrático. Eu digo sempre, casa-
mento não é prisão de cinco estrelas. Nem de quatro, nem de meia es-
trela. Casamento é esta caminhada pela vida. É para ser uma relação de
troca, de dar e receber.

NT - Como lidar com o sentimento de culpa que deixa a mulher tão
vulnerável às chantagens do marido e filhos?

MHM – Isto aí é uma batalha. Uma vez eu fui entrevistar uma médica.
Ela tinha três filhos e trabalhava numa empresa. Ela falava assim: todo
dia eu acordo de manhã e levo para meu trabalho a mala da culpa. Tem
dias que esta mala está levinha.

É quando a família está bem, está tudo em paz. Tudo sob controle, mas
tem dias, quando as crianças estão doentes ou não tenho ninguém para
ficar com eles em casa, aí a mala da culpa parece de chumbo.
Este é o dilema de todas as mulheres que trabalham no mundo. Elas têm
que se dividir entre a família e o trabalho. E você não pode estar em to-
dos os lugares ao mesmo tempo. Então, a sensação é de que o que você
dá para a empresa, você rouba da família. E o que você dá para a família,
você rouba da empresa. Isto cria uma angústia.

NT – Como a mulher pode harmonizar a família e o trabalho?

MHM – Para isso existem várias recomendações. Trabalhar em horários
flexíveis, trabalhar o mais perto possível de casa, porque assim numa
emergência elas podem socorrer. Quando os maridos apoiam ajuda
muito. Também quando tem alguém para ajudar a culpa diminui bas-
tante. Há 30 anos mais ou menos, a mulher está fora de casa. E dentro.
Então, ela tem dupla jornada.

NT – Chega a ser tripla...
MHM – Sim. Tripla jornada porque, além de ao chegar fazer tudo que
precisa, ela tem que fazer muito mais.
Eu tinha uma cliente que era dona de uma escola e tinha três filhinhos.
Ela chegava à noite em casa e rezava assim, no elevador: Deus, dai-me
forças para aguentar o terceiro round. Entende? Ela tinha levantado às

cinco da manhã. Hoje em dia as mulheres fazem mágica mesmo.

NT – Há alguma recomendação especial para esta mulher que tem
tantas jornadas de trabalho?

MHM – Ela tem que se proteger, se poupar.

NT – De que forma?
MHM – Delegando, dividindo com os filhos, com o marido. Às vezes,
com uma empregada. Com quem ela puder dividir as responsabilida-
des. Mais flexibilidade nos horários também.
E ela precisa se cuidar. Olha  o que a mulher faz. Ela vai se dando, se
dando... Tirando de dentro dela. Nos EUA, onde as mulheres trabalham
neste ritmo, tem milhões de mulheres exauridas.

NT – Por que a mulher entra neste processo de assumir tantas res-
ponsabilidades? Mesmo mais informadas e ganhando seu dinheiro
repetem o comportamento, como se tivessem que provar que são ca-
pazes.

MHM –



NT – É resultado do machismo?

MHM – Sim e é igual no mundo inteiro, com raras exceções. São poucas as mulheres no mundo que conseguem ganhar um salário justo. Igual ao dos seus pares. Eu costumo dizer que o machismo é uma doença sexualmente transmissível. Quer dizer, ela vem de pai para filho, de uma geração para outra. E é contagiosa. Por mais que você eduque seu filho para não ser assim. Eles estão sendo influenciados pela televisão, pelos coleguinhas, pela escola... E a própria mãe reforça, às vezes.
Filho pode, mas a filha não. Tem duas morais. Isto é uma barbaridade.Por isso que a gente dá estes cursos e seminários. Para ir abrindo a cabeça das mulheres.



NT – No fundo destas diferenças está o fato de a mulher engravidar?

MH – Isto pesa muito. A gente costuma dizer que homens e mulheres
nunca serão iguais, pelo simples fato de que homem não engravida. Isto
faz com que o nosso destino, de certa forma, seja determinado por um
fato biológico.
A mulher fica mesmo muito dividida entre ser mãe e ser profissional,
estudar, se aperfeiçoar. Nos anos 70, elas acreditaram que podiam ser
tudo e fazer tudo. Boa de cama, boa mãe, boa profissional, boa, boa, boa.
Depois de 20 anos as mulheres se deram conta de que isto é impossível,
ninguém dá conta. Este é o desafio da geração atual. Quanto você vai dar
para a família, para o trabalho e para você mesma.

NT – Qual a prioridade?

MHM – A gente dá mais para quem precisa mais. E, em certos momen-
tos, quem precisa mais é ela mesma. Ela tende a se esquecer disto e co-
locar o outro sempre na frente.
Ela precisa aprender a se considerar importante. Mas é mais fácil falar
do que colocar em prática.

 


Esta entrevista faz parte do livro Incondicionalmente Livre, em breve, nas melhores livrarias do Brasil.

Última modificação em Domingo, 10 Julho 2016 22:01
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