Um ex-embaixador das Farc, Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia, no Brasil, chamado Olivério Medina, voltou às manchetes, em
2008.
A divulgação, na Colômbia, dos contatos que mantinha por e-mail
com Raúl Reyes, guerrilheiro e porta-voz internacional da guerrilha, morto
pelo exército colombiano, atraiu as atenções para o representante dos combatentes
que vivia há anos no país, na condição de refugiado, em Brasília.
Sete anos antes, o entrevistei por telefone para um jornal de Goiás,
graças à intermediação de um dirigente do Partido Comunista do Brasil,
PC do B, de São Paulo. Naquele tempo, animado, Olivério Medina se referia
às Farc, a mais antiga guerrilha latino americana, como quem fala de uma
atividade nobre e digna, nada a ver com os termos “narcoguerrilheiros e
terroristas” usados pela mídia anos depois. Muito menos com estratégias
radicais, como sequestros e assassinatos.
Na época, tentei obter entrevistas com outros rebeldes, pretendia
escrever sobre a vida das mulheres na selva, quem eram as guerrilheiras.
Medina disse que intermediaria, entraria em contato com o alto comando,
porém a pauta não deu certo, porque “estavam na montanha”, me contou,
e ficou por isso mesmo, na entrevista abaixo, cujas opiniões destoam dos
fatos e contextos que vieram depois.
Nos sete anos seguintes, até 2008, ocorreram mudanças e não foi
só a esquerda brasileira com seus crescentes escândalos de corrupção que
surpreendeu. Os sequestros na Colômbia realizados pelas Farc ganharam
as manchetes mundiais.
Quantas versões! Um dos ângulos para tentar alcançar o quebra-
-cabeça de um paradoxo é lembrar que a história contada é sempre a dos
vencedores. Outro, talvez, é conhecermos vários pontos de vista para tentarmos
desvendar quais são os interesses nos bastidores, seja da política
internacional contemporânea, dos veículos de comunicação, ou seja lá de
quem for. Em geral, as respostas envolvem dinheiro e poder, com raras exceções.
A seguir, um flash de uma época. A matéria foi publicada dia 20 de
Agosto de 2001 e o título que hoje soa como ironia - porque , em seguida,
Olivério foi preso e penou até ser reconhecido como refugiado - era. Em
Busca de Divulgação e Reconhecimento.
A maior e mais antiga guerrilha da América do Sul, as Farc - Forças
Armadas Revolucionárias da Colômbia - têm um representante no Brasil. Ele
atende pelo codinome de Olivério Medina e veio para o país há onze anos.
A missão: divulgar o movimento revolucionário, que completou 43 anos e “criar
as condições para as Farc serem reconhecidas formalmente como força beligerante”,
explica com calma, em português marcado pelo sotaque.
Em Setembro de 2001, Olivério Medina foi alvo das atenções da mídia
nacional e internacional, por ter sido preso, durante 25 dias, pela Polícia Federal,
sob alegação de seu visto estar vencido.
“Foi uma tentativa do governo
colombiano para me levar de volta”, explicou, lembrando que, na verdade,
sua situação era legal. A OAB assumiu seu caso e entre as manifestações de
solidariedade estava a Comissão de Direitos Humanos.
Ex-professor de Geografia, o guerrilheiro que na época estava com 53
anos, contou que aos 36 anos trocou a batina pelos ideais das Farc. Porém
não havia abandonado a criação artística, continuava a escrever versos e a
tocar seu violão.
No Brasil, primeiro residiu em Medianeira, no Paraná e estava há alguns
meses morando no Plano Piloto, em Brasília. Para realizar seu trabalho,
faz conferências nas universidades e assembléias legislativas. “Sempre com
convite oficial”, frisa, lembrando a importância de estabelecer relações com o
povo, governo e organizações sociais brasileiras.
Encantado com o Brasil, Olivério Medina considera uma grande honra
estar aqui. “É tudo muito lindo e parecido com a Colômbia”, compara, e
aponta a comida como uma das semelhanças. “Comemos o mesmo feijão”.
NT- Como a guerrilha encara o Plano Colômbia?
OM - No campo internacional, estamos denunciando o grande mal chamado
Plano Colômbia por ser claramente um plano desenhado para a guerra contra
o povo colombiano e sua luta pela justiça social.
Nas Farc, Exército do Povo, estamos colocando toda a nossa vontade para
que essa guerra intervencionista não se desenvolva na Colômbia, porque não
precisamos de guerra, mas sim de mudanças profundas para acabar com a
violência exercida pelos sucessivos governos e com a profunda crise política,
social e econômica que têm deixado nosso povo mergulhado na miséria, na
pobreza e na falta de oportunidades para viver seus direitos plenamente.
NT - Qual o papel da Comissão Internacional das Farc?
OM - O objetivo primordial dessa comissão consiste em procurar o reconhecimento
de força beligerante porque contamos com quatro condições para obter
tal reconhecimento.
Primeiro, somos Exército Revolucionário, vivemos fardados e portando nossas
armas visivelmente o tempo todo.
Segundo, respeitamos os direitos humanos. Aos soldados que se rendem em
combate, e aos prisioneiros de guerra, dispensamos trato digno de sua condição
de pessoas. Nossas relações com a população em geral são normas primordiais
de cada guerrilheira e de cada guerrilheiro.
Terceiro, temos mando centralizado para que nosso exército possa se desenvolver
levando em conta as normas de comando, estatutos e regime disciplinar.
Quarto, contamos com domínio territorial e amplo apoio da população, tanto
do campo como das cidades.
NT - O que faz no Brasil um integrante das Farc?
OM - Desenvolver o trabalho político-diplomático à procura das melhores
relações de amizade com o governo, organizações sociais e políticas deste importante
país. Para isso levo em conta os planos da Comissão Internacional.
NT - Há intenção das Farc se instalar no Brasil, como ponta de lança
para agir na Colômbia?
OM - Os três Poderes e todas as armas das forças militares brasileiras podem
dormir tranquilos porque temos uma política de fronteiras, que cumpriremos
na sua totalidade.
Sabemos que o conflito social e armado que acontece na
Colômbia é dos colombianos e somos nós os chamados a resolver essa situação,
sem ingerência de qualquer país por muito poderoso que seja. Nem passa
por nossa mente atuar militarmente nos territórios dos países vizinhos.
NT- No Brasil há campo para a guerrilha?
OM - Atualmente, não vemos condições nos países latino-americanos para o
surgimento da luta armada. Na Colômbia, a classe dominante, infelizmente,
fechou “a ponta de balas” todas as possibilidades distintas à luta armada,
para lutar pelas mudanças que precisa nosso país. E como somos revolucionários
que de uma ou outra forma cumpriremos nossa missão de lutar pela
justiça social, temos que avançar pela via que os donos do poder deixaram
para o povo.
NT – Qual a ligação das Farc com o PC do B?
OM – Não dá pra falar de “ligação” com qualquer partido. Cada um deles
gosta de ter a sua independência, coisa apenas lógica, assim como nós gostamos
e cuidamos muito de conservar a nossa intacta.
O fato de havermos mantido sempre a nossa independência em todo momento
e circunstância, tem permitido desenvolver nossa caminhada com plena
liberdade e sem compromisso com ninguém.
NT – No Brasil, além do PC do B com quem a Farc se relaciona?
OM - Nós desenvolvemos um trabalho diplomático de novo tipo, de braços
abertos, e falamos com todo mundo. Onde encontremos um ouvido receptivo,
aí estamos! Procuramos intercâmbios construtivos. Acaso neste momento não
vê que estamos falando com um jornal?
NT – A presença do Exército brasileiro na fronteira intimida?
OM - De jeito nenhum. Sabemos que não somos motivo de preocupação para
o Exército brasileiro. Estamos de olho aberto e visando trabalhar da melhor
forma possível as contradições de toda ordem que acontecem nas grandes cidades
colombianas. E estas estão longe das fronteiras...
NT – Qual o objetivo das Farc?
OM - Lutamos pela tomada do poder porque o regime capitalista em mais de
170 anos foi incapaz de resolver os problemas do povo. Portanto, queremos
construir o socialismo que leve em conta nossas tradições, nossa riqueza étnica
e cultural, nossos valores pátrios, nossa história, nossa colombianidade.
NT – Qual a estratégia para chegar ao poder?
OM - As Conferências Guerrilheiras - e já realizamos oito – são as que elaboram
todos os planos de luta, para resistir à violência oficial desencadeada
pelos sucessivos governos contra o povo, e para lutar pela nova Colômbia, em
pátria amável, soberana, justa e sem violência que queremos construir.
NT – Como é a hierarquia das Farc?
OM - Temos o comandante chefe, que é Manuel Marulanda Vélez, logo os
membros do Comando Maior, seguem os comandantes de bloco, frentes, colunas,
companhias, guerrilhas, esquadra e unidades táticas de combate.
NT – De que forma o narcotráfico financia a guerrilha?
OM - Olha, “os narcos” financiam os pararamilitares, campanhas presidenciais,
têm negociatas com comandos militares, com senadores corruptos, com
políticos sem escrúpulo nem moral. Posso te dizer que até o presidente André
Pastrana fala publicamente que nós nada temos a ver com o narcotráfico.
Pode desaparecer até a última planta de coca, que isso não prejudica a economia
e forma de sustentação das Farc- Exército do Povo, mas sim os viciados
dos Estados Unidos, a CIA, os principais bancos norte-americanos, etc.
NT – O que significa o cultivo de coca para o povo colombiano?
OM - Os camponeses enxotados pela política neoliberal são obrigados a buscar
formas de sobreviver. Os sucessivos governos têm abandonado o campo e
os pobres são os mais prejudicados.
As políticas agrárias só beneficiam latifundiários. Então, para os camponeses
pobres só tem ficado como meio de subsistência plantar coca. Eles não são
narcotraficantes, mas sim camponeses pobres e não é matando-os que se soluciona
o consumo de cocaína nos Estados Unidos e no mundo. Olha bem, a cocaína
é um problema dos EUA principalmente, não é das Farc, nem do povo
colombiano.”
*Esta história faz parte do livro "Era Uma Vez....... Outra Vez....... mais uma vez .......e mais outra.......", de Nádia Timm.