Há luar, brisa suave, fogueira, risos. Sentada de costas para os jovens que cantam e brincam, Zunim não sabe do predador, não sente o vento brando, não repara nas estrelas, nem no fogo, não escuta as risadas. Ainda está sob o efeito da visão.
Sente dormência nas pernas, muda de posição. A sensação continua e não há espaço para o pensamento, nenhuma lógica. Como falar sobre aquilo, se o que viu é diferente de tudo que considera real, se é algo extraordinário, estranho, esquisito. Quando tenta contar, parece uma mentira, ficção de filmes, um sonho.
Viu mesmo a imensa nave de luz pairando nos céus. Muitos viram, mas não aceitam e logo inventam explicações, conseguem esquecer. Não vão admitir que, pela primeira vez, nossa civilização tenha feito contato visual, em massa, com outros seres. Zunin cisma enquanto caminha de volta para o grupo.
Continuou calada, a beleza da noite contagiava a todos, a maioria era de enamorados entregues às carícias das preliminares sem timidez, afinal eram amigos e tão jovens e alegres. A moça não se deixa envolver pelo momento para liberar impulsos sexuais. Acha aquilo tudo ridículo, primário. Sorri da ideia, “ainda dizem que eu sou a louca”.
Aos poucos, seu humor voltava, porque levaria a ponta de faca, como dizia seu avô gaúcho, o que os outros estavam falando ou fazendo. Não se importava com eles, seu tesão é outro.
Voltou sozinha para casa, há duas quadras da praia. Precisa consultar o tarô e a bola de cristal. Acende um incenso, abandona os pensamentos e visualiza como quem assiste a um programa de televisão.
As cenas ora lembram uma pintura de Bosch, o Jardim das Delícias, com minúsculos seres nus, lindos em cópula, numa orgia sem culpas, ora o Inferno de Dante, se debatendo de angústia e medo.
Mas Zunin não conhece nada de arte, muito menos de literatura, muito menos ainda sobre fazer amor. Sobre as imagens azuis e rosas paira uma luz.
É a nave.
Via claramente e sentia como se diluísse, numa sensação de intensa paz. Foi dormir e teve sonhos calmos onde surfava uma imensa e interminável onda.
Na manhã seguinte, a vida seguiu seu ritual cotidiano, marcado pelos hábitos e alguma solidão. Encontrou com a turma na praia morna, no final da tarde.
Alguns estavam abatidos, com a aparência de doentes, pálidos, reclamando de dores pelo corpo. Não comentaram a noite anterior, estavam cansados demais. Zunin tentou falar sobre a nave novamente, mas o assunto caía no vazio, como se não escutassem, talvez o link estivesse bloqueado.
Não era a primeira vez que se sentia incomunicável. Cansou e foi para casa se enfurnar no computador, catar figurinhas de amigos nos Orkuts, o álbum de figurinha silencioso, no web passatempo, a sensação desagradável continua. A carta do Nada no Tarô Zen de Osho significa potencial, onde vibram as possibilidades, mas Zunin não conhece, nem o que quer dizer este Nada na sua sorte, no jogo da sorte que fez na madrugada. Ela viu a imagem, mas não alcançou o significado. Só conseguia sentir que no fundo de sua imensa, abissal angústia havia algo que estava para nascer.
Talvez tenha chegado o momento de conhecer a verdade, a delicadeza do amor, e este pensamento a faz abrir o sorriso, seus olhos faíscam.
Alguma coisa sagrada, essencial, está próxima, sente Zunin. A nave de luz e as experiências sensoriais seriam sinais, acha. Vai para o jardim ver a Lua cheia, a noite está bonita pontilhada por estrelas. Escuta o telefone chamar.
É a amiga Tatiana, ela quer que conheça uma pessoa sensacional. É pra já, Zunin tecla os números e desliza na correnteza. Três, dois, um... O contato imediato em alto grau de amor e prazer, em breve, vai transformar sua vida em divinas ondas de gozos, para sempre. Sim! É sim, o Ser a encontrou. Zunin vai começar a acordar para as fascinantes verdades da vida.
*Esta conto faz parte do livro "As Novas Histórias de Amor", de Nádia Timm.