Até se matou (calma, quero dizer, em sentido figurado, porque se anulou e fez coisas absurdas como jogar fora empregos, estabilidade de relacionamentos. Melhor definir como uma quase-morte, para não exagerar tanto..)
Ficou por um fio, vulnerável. Sua vida, o caos. Ganhou fama de leviana, maluca, puta. Muitas vezes, achou que tinha encontrado o grande amor. Aquela sensação prazerosa do êxtase, da entrega plena, a confundia.
A intensidade da emoção gerada no seu corpo, o calor, diagnosticava a tal vibração como paixão. Teve grandes ilusões. Custou a perceber que eram miragens, a maioria malditas, infelizmente.
Levou muito tempo até descobrir que aquele fogo que via no outro, no personagem amado, era imagem refletida de sua imaginação.
O outro, era a vítima do momento, do estado de paixão. É isso, vítima.
Duvida?
Porque você não sabe o que alguém passional é capaz de fazer quando está em surto.
Ou sabe?
Quanto sofrimento amar a paixão! Quando lembra dos vexames, sente vergonha. Tantas lágrimas, cenas de ciúme, crises de insegurança.
Demorou a reconhecer o sintoma. Custou a admitir que a fonte era o medo. O medo de ficar só.
O incrível é que isto estava descrito em bilhetinhos, versos, cartas, e-mails que guardou. Explícito no melodrama dos textos piegas, às vezes estava nas entrelinhas. Paixão é assim, é se entregar à fantasia, ao delírio.
Fernando Pessoa estava certo! Cartas de amor são ridículas.
Mas isso a gente só percebe depois. É cair na real e medir o prejuízo.
É colocar na balança o coração: sentimento infantil versus tanta porrada, geralmente a indiferença do outro. É o preço do muso. Eles não são melífuos como a versão feminina.
Há mel, claro, e muito fel. Amá-lo é armadilha. Uma dor que cutila a alma. É a espada afiada, rápida. Desenho no espaço que joga no abismo de versos. Depois, quando tudo acaba, ainda não é o final.recomeça de outro jeito. Outro desatino, devaneio romântico.
É a saudade provocando novos poemas, canções, sonhos, crônicas, papos entre mulheres, segredos entre amigas. O certo é que sem o muso. O tal amado. A vida e a poesia não tem a menor graça.
* Tradução da crônica "Amar de Paixão" da antropóloga Mary Stanley publicada dia 4 de março de 2002, no Jornal de Lisboa.
A renomada pesquisadora tomou veneno dia 31 de dezembro de 2004, em Nova York. No bilhete de despedida, endereçado ao ex-namorado, Mark Rouaud, pediu perdão por não suportar o fim do romance e lhe deixou seus livros, DVDs e discos. O legado inclui um gato angorá chamado Passion.
Mark Rouaud está em Faluja, no Iraque. Seu projeto é voltar para os EUA e escrever um livro sobre os crimes de Guerra e o genocídio que testemunha. Ele fotografa torturas aos prisioneiros e as divulga na Internet. Pretende desertar e se aliar aos guerrilheiros. Está apaixonado por Nadja Rawin, médica da Cruz Vermelha.
03/01/2005