Wilson Simonal (1938-2000) foi um cantor de enorme sucesso e apelo popular, sobretudo em meados das décadas de 1960 e 1970.
Com sua risada característica, costumava convocar o retorno à pilantragem. Era daqueles que, como um verdadeiro show man, enchia o Maracanãzinho com 50 mil pessoas. Ovacionado tanto pelo público quanto pela crítica, disputava com Roberto Carlos o título de cantor mais popular do Brasil.
No início de 1970, porém, sua carreira, antes em ascensão, começou a desmoronar. A partir de um mal entendido que ganhou repercussão nacional, o rei da pilantragem passou a ser visto como delator de artistas considerados “subversivos” pelo Regime Militar, alcunha que o acompanhou até a morte. Depois de ganhar as telas do cinema, em 2009, com o documentário Ninguém Sabe o Duro que Dei, a trajetória do cantor chega aos palcos pela primeira vez através do texto de Nelson Motta e Patrícia Andrade, e da direção de Pedro Brício. S’imbora, o Musical - A História de Wilson Simonal está em cartaz, no Teatro Carlos Gomes, no Rio de Janeiro.
A proposta do musical não é provar a inocência ou a culpa do cantor, e sim explorar os diferentes momentos que ajudaram a construir sua carreira, os bons e os ruins. “Ele é um mistério, não é um herói romântico, pelo contrário. É uma figura contraditória, com múltiplas facetas, mas a peça não faz um julgamento.
O espetáculo tem essa riqueza, essa multiplicidade: vai da ascensão absoluta do primeiro artista negro pop à sua total decadência”, esclarece o diretor. O papel-título coube a Ícaro Silva, que, em Elis, a Musical viveu outro ícone da MPB, Jair Rodrigues.
“Simonal se tornou um artista excepcional e um maestro de multidões sem nenhum aprendizado formal. Virou músico na marra, com um talento imensurável, claro, mas também com muito ‘jogo de cintura’ e poder de comunicação. Sua história, ainda que trágica, é bela, porque, nas condições e no país em que nasceu, era um ídolo muito improvável”, defende o ator.
Ascensão e queda
Jovem de origem humilde descoberto por Carlos Imperial - personagem fundamental e narrador da peça, interpretado por Thelmo Fernandes - Wilson Simonal ganhou status de estrela, lançando sucessos como Balanço Zona Sul, Sá Marina, País Tropical, Meu limão, Meu Limoeiro, Lobo bobo e Mamãe Passou Açúcar em Mim, todas presentes no roteiro do espetáculo, que apresenta mais de quarenta de suas canções.
Garoto-propaganda da marca Shell, costumava ostentar a riqueza conquistada circulando pelas ruas da cidade em carros de luxo, sempre rodeado por belas mulheres. Na época, fama, dinheiro e prestígio ainda eram incomuns para artistas negros, o que provocou a inveja de muitas pessoas. Todos esses aspectos comportamentais e políticos são abordados na peça, como aponta Brício.
“Não apenas falamos da história de um homem, mas sobre nosso país, como era nossa sociedade, não só em termos de preconceitos, mas de conflitos políticos. O que aconteceu com ele tem a ver com o período, talvez não tivesse acontecido em outro contexto histórico”.
A situação começou a fugir ao controle a partir do início da década de 1970, quando o cantor encerrou seu contrato com a TV Globo, brigou com o Som Três, banda que o acompanhava desde o início, e desfez o escritório da Simonal Produções. A gota d’água veio quando Simonal, desconfiado que seu contador estivesse desviando dinheiro, foi acusado por este de ter mandado lhe dar uma surra, que teria sido aplicada por agentes do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), o órgão repressor do regime. O caso rapidamente se espalhou por todo o país, o que fez com que, de estrela, Simonal passasse a ser conhecido como informante dos militares. “Ele caiu, vítima de sua arrogância ingênua e da inveja alheia. É um exemplo do que ser e do que não ser, a prova de que a vida cobra um preço alto daqueles que buscam ser grandes", acredita Ícaro.
Desse momento em diante, o cantor caiu no esquecimento. Para apagar as más recordações, Simonal passou a beber sem controle, o que resultou na sua morte, em 2000, por cirrose hepática de fundo alcoolico. Quando alguém lhe perguntava o que tinha acontecido, afinal, ele respondia: “Mágoa”.
Com trinta anos de atraso, ele começa a ser anistiado, já que seus discos, assim como suas músicas, foram relançados e redescobertos por DJs, ao passo que projetos como O baile do Simonal, organizado Max de Castro e Simoninha, filhos do cantor, ajudam a lhe devolver o posto de um dos maiores cantores do país. “O importante é resgatar e sublinhar a obra dele. Independente do que aconteceu, ele deixou um legado para a black music brasileira”, comenta o diretor, Pedro Brício.
Nelson Motta, autor dos musicais biográficos Elis, a Musical e Tim Maia – Vale Tudo, o Musical, aponta a carga dramática presente neste novo trabalho, quando comparado aos outros dois.
“A maior qualidade de um musical é ter grandes canções. É o forte do Tim Maia e da Elis também. Mas o Simonal, além de histórias e músicas sensacionais, tem uma carga dramática incrível, porque ele é um personagem que foi do céu ao inferno, com uma densidade maior do que a do Tim e a da Elis. É uma história que começa alegre e termina dramática, tristíssima”, comenta.
Musical grandioso
Ao todo, Marília Carneiro concebeu mais de 250 figurinos para o espetáculo, em uma média de 17 por personagem, com exceção do próprio Simonal, com 12, e de Carlos Imperial, com três figurinos, além de uma dezena de perucas, usadas por todo o elenco.
A cenografia ficou por conta de um dos grandes nomes do gênero, Hélio Eichbauer, que assinou o cenário de montagens históricas, como O Rei da Vela, de José Celso Martinez Corrêa, além de ter profunda ligação com a música brasileira, já tendo dirigido shows de Gal Costa e assinado a cenografia de inúmeros shows de Caetano Veloso.
A direção musical de Alexandre Elias e os arranjos de Max de Castro, filho de Simonal, são fieis à obra de Simonal, mas trazem um olhar criativo, contemporâneo. “Fazemos um resgate do riquíssimo repertório dele, mostrando essa figura improvável, pobre, negro, que se tornou o maior astro popular do país, fazendo música de altíssima qualidade. Ele é um personagem único”, conclui Brício.
Teatro Carlos Gomes
Praça Tiradentes, 19, RJ
(21) 2232-8701
Quinta a sábado, às 20h e domingo, às 18h
Quintas, sextas e domingos: R$ 80
Sábados: R$ 90
Horário da bilheteria: de quarta a domingo, das 14h às 18h
Também é possível comprar no site
Colaboração de Danielle Veras
fonte: Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro