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A Poderosa de 3ª ilustração de Apoena Timm
Publicado em Crônicas Di-Versos
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Era uma mulherzinha muito feia.

Tanto quanto um personagem dos Simpsons, com aquela boca pontuda.

Um bico que usava muito para bicar a vida alheia, ciscar o chão atrás de mesquinharias, de pequenas maledicências, cantar de galo ou cacarejar insultos e infâmias.

Era baixinha e a bunda enorme. Não tinha sido apresentada ao desodorante, e sua presença na repartição provocava narizes torcidos, enjoos e vertigem nas almas sensíveis.

Vestia-se com simplicidade masculina, admirava tanto o universo dos ‘cabra-machos’ que usava o tom de voz grave, gutural, de quem tem testosterona aos quilos e está pronta para dar um soco na boca de quem se atreva.

Estava sempre ressentida, injustiçada pelo chefete de plantão.

Achava-se dona da verdade, da cultura municipal, a profissional do ano. Sentia-se a paladina da justiça e queria fazer justiça pelas próprias mãos. Ou melhor, o que considerava adequado aos seus interesses. Gostava de arte acadêmica e das limitações burocráticas de projetos entediantes. Era inimiga da beleza, até da transgressão de um sorriso de bom humor.

Trâmites burocráticos do terceiro andar lhe excitavam, às raias de um gozo carimbado e autenticado em três vias. Perseguia os artistas criativos. Aqueles que ousassem ser geniais estavam fritos. Enviava cartas aos jornais, difamando-os, publicava calúnias em Blogs e protocolava denúncias vazias no Ministério Público.

Era inviável qualquer aproximação amigável. Media com o olhar o quilate de autoridade de cada colega. Era especialista em agressões gratuitas. Um simples bom-dia podia ser arrasado por uma resposta atravessada tipo “só se for para você que não faz nada”. Quando estava excitada, guinchava como uma macaca, explodia gargalhadas e disfarçava, dizendo que estava louca para fumar. Uns juravam que o tesão era por mulher, mas havia controvérsias. Tinha um filho, um pobre rapaz um pouco menos feio e bem menos poderoso.

A Poderosa era capaz de transformar uma vírgula em parágrafo. Andava com duas guardiãs, capangas numa versão light. Uma de cabelo vermelho, que era sua pau-mandado para infiltrações estratégicas em gabinetes e solenidades. De orelha em pé, a cabelo de fogo percorria os rituais do poder, farejando quem estava lá e o porquê.

A outra, uma destrambelhada dondoca falastrona, que gostava de chamar a atenção berrando palavras vãs, sem concluir uma frase coerente.

As duas se consideravam artistas plásticas. “De plástico”, cochichavam alguns servidores. “Plastificadas”, sussurravam os subalternos mais vingativos, cansados das personagens que assombravam as manhãs que deveriam ser calmas, lentas, perfeitas para um dia vazio, de enrolação normal.

Mas lá vinha o trio, deixando um rastro de chateação. A Poderosa, no comando, estava a fim de detonar o senhor secretário Banana de plantão. E não seria o primeiro a quem peitaria com seus peitões. Outros viram o mesmo filme, o mais esperto deu a ela um cargo de diretora do museu. Salvou a pele e os ouvidos.

A Poderosa se transformou em a Feliz e o deixou em paz, com suas armações de praxe, roubando sossegadamente o resto do mandato de dono da Cultura.
Quando a Poderosa estava feliz, gostava de mostrar que era capaz de gestos nobres, como o silêncio. Todos suspiravam com a paz no recinto, sossego no terceiro andar. Quando estava alegre, era ou por causa da certeza do seu inabalável poder, ou porque tinha namorado na noite anterior.

Então, as próximas semanas prometiam bonança. Por se sentir gostosa, bem-comida, ela traria presentinhos e bancaria a generosa com algumas colegas.

Quando queria parecer humana, gostava de divulgar o quanto cuidava dos pais e dos velhos da própria família. Virava uma mulherzinha, fingindo inocência, enquanto fazia contas do que herdaria. Piscava os olhos sonhadores, mas, num piscar de olhos, o ogro que habitava suas entranhas vinha à tona. O buço se agigantava sobre os lábios. Tinha farejado o perigo. Uma linda estagiária estava chamando a atenção e havia risco de o secretário Banana se deixar envolver pelas belas, jovens e fortes pernas. Havia o risco de a moça ser ambiciosa e inteligente.

Era hora de voltar a mostrar que era a rainha da cocada do pedaço e fazer mira com o arsenal de maldades.


“Desta vez, a coisa seria diferente”, alguém a escutou dizer quando marchava para o gabinete. Fechava-se na sala em reunião com o Banana-Mor, mais um daqueles bunda-moles sem atitude que aconselham, ao surgir algum problema profissional, que o reclamante se finja de morto, faça cara de paisagem. Depois, um tapinha no ombro para demonstrar intimidade e é só despachar o sujeito com a certeza de mais um voto na próxima eleição.

Mas com ela panos quentes não adiantavam...
A Poderosa sai do encontro com um sorriso deste tamanho nos lábios torcidos. Alguma coisa havia acontecido e lá se vai para o olho da rua a promissora estagiária, ex-futura-amante de algum chefete ou quem sabe dele, o líder máximo.

Juravam que o Banana tinha rabo preso com a Poderosa. As suposições variavam do mais simples vínculo familiar – quem sabe ligado à Maçonaria ou Rosacruz – teoria dos simplórios, às elucubrações de que rolavam interesses econômicos-financeiros, teoria dos realistas. O Banana e a Poderosa tinham muito em comum.


A palavra maracutaia cochichada nos corredores rolava escadarias, era arremessada pelas janelas, jorrava sobre a cidade até ser escondida num canto do palco do teatro da vida.

Silenciada, porém jamais esquecida. Quem sabe nunca viraria manchete nos jornais vendidos, da província. Poderia ser o próximo capítulo do livro, talvez.
O certo é que isso é uma outra história.

 

*Esta crônica faz parte do livro "As Novas Histórias de Amor", de Nádia Timm.

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Última modificação em Quinta, 18 Agosto 2016 17:42
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